Sinopse: Na Paris do século XV, a cigana Esmeralda dança em frente à catedral de Notre Dame. Ao redor da jovem e da igreja, dançam outros personagens inesquecíveis – como o cruel arquidiácono Claude Frollo, o capitão Phoebus, a velha reclusa Gudule e, claro, o disforme Quasímodo, o corcunda que cuida dos sinos da catedral. Com uma trama arrebatadora, que tem a cidade de Paris como bem mais do que um mero pano de fundo, Victor Hugo criou um dos grandes clássicos do romantismo francês, de leitura irresistível. Essa Edição Comentada e Ilustrada inclui tradução, apresentação e notas de Jorge Bastos Cruz e mais de 50 ilustrações originais.
Eu comprei esse livro na penúltima Bienal do Livro no RJ e demorei para ler, já tinha pego e achado o começo um pouco confuso e descritivo, não era a hora para esse livro, embora o interesse ainda estivesse ali. E ainda bem porque foi só enveredar por mais algumas páginas para não conseguir largar o livro.
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É engraçado que ler esse livro desconstrói um dos filmes da Disney que mais gosto até hoje (sim, sei todas as músicas e falas). Se bem que, aos poucos fui me chocando com as diferenças mas ao chegar ao final fiquei com a sensação de que fizeram o possível para adequar a uma história infantil. Embora aquela cena do Frollo cantando na lareira sobre como Esmeralda o “enfeitiçou” seja assustadora e não tenha nada de infantil. E pra mim mostrou bem a tormenta desse personagem tão louco.
O cara é consumido por um sentimento que ele não consegue realizar, mas não tem como ter pena dele, não consigo. Ela não tem culpa dele ser padre, assustador e velho. Esmeralda era sim muito bonita, mas não esse mulherão do filme, no livro é uma beleza pura. E também uma menina, uma adolescente, com nada de bruxa, mas que representa bem o pavor e curiosidade que as pessoas da época tinham sobre os Egípcios/ciganos. No livro as pessoas tem uma espécie de amor e ódio por ela, de curiosidade sobre o que ela faz com sua cabra Djali, truques inocentes mas que podem ser mal interpretados com um piscar de olhos. Logo percebemos quão ingênua ela é quando ela se apaixona pelo capitão Phoebo ( que diferente do filme é um egoísta).
O outro personagem fundamental desse livro é Quasimodo, o sineiro que vive para seus sinos que o deixaram surdo. Ele foi acolhido por Frollo, na época um padre raso de Notre Dame, com a esperança de garantir um lugar no céu para seu único irmão através dessa caridade. O menino deformado que tem uma história que vamos descobrindo ao longo do livro, não ia ser adotado por mais ninguém, as senhoras preconceituosas da época já achavam que ele era um filho do diabo.
Não vamos tentar dar ao leitor uma ideia do nariz tetraédrico, da boca em ferradura, do olho esquerdo minúsculo e obstruído por uma desgrenhada sobrancelha ruiva, enquanto o direito desaparecia por completo sob uma imensa verruga, dos dentes desordenados, desfalcados, parecendo ameias de uma fortaleza,a beiçola calejada em que um daqueles dentes se posicionava como a presa de um elefante, o queixo bifurcado e, sobretudo, a fisionomia _ uma mistura de malícia, espanto e tristeza. Que se tente imaginar, se possível for, tal conjunto.
Victor Hugo fala de forma muito irônica sobre Quasimodo, tenta nos despertar sentimentos contraditórios por ele, tentando nos causar repulsa para questionarmos nossos valores. Toda a sociedade acusa Quasimodo de coisas impossíveis e se sentem afrontados com sua feiura e esse sentimento é recíproco por uma criatura que também parece odiar a todos. Menos Frollo, seu mestre e salvador, com o qual tem uma relação de obediência irrestrita, e Esmeralda que ele também viu dançar. Quasimodo se sente acuado e rejeitado por todos, e ainda por cima não escuta então a comunicação é muito complicada. A única coisa que as pessoas admiram com assombro é o que ele faz o campanário, o som que produz juto aos sinos é encantador. Mas sempre arrumam um jeito de criticar também.
Quasimodo é eleito o Papa dos Bufos pela sua feiura, em uma celebração da Festa dos Bufos que acontece logo no começo do livro. Na brincadeira as pessoas faziam caretas e as outras escolhiam a mais feia, que era eleita o Papa dos Bufos. Quasimodo foi levado em um cortejo até a praça onde Frollo acaba com sua brincadeira. E assim termina o único momento em que ele não é reprimido no livro. Sua feiura é sempre impedimento, até Esmeralda que é bondosa e recebe sua ajuda não consegue encará-lo direito, dá uma raivinha dela nessa parte.
Naquele 6 de janeiro o que agitava a população de Paris, como disse Jean de Troyes, era a dupla comemoração, coincidente desde tempos imemoriais, do dia de reis e da festa dos bufos. Nesse dia haveria fogueira comemorativa a Gréve, plantação de maio na capela de Braque e mistério no Palácio da Justiça (uma espécie de peça).
E não é atoa que Victor Hugo escolheu o dia festivo para começar sua história, é uma oportunidade de apresentar personagens de diferentes classes sociais em uma só cena. São tantos nomes e explicações que o capítulo 1 é um pouco cansativo e confuso, mas vencendo esse capítulo tudo fica mais fácil. O autor tem grande apresso pela arquitetura de Paris, pela cidade como um todo, então ele vai contar a história mas mesclando com comentários sobre o cenário. Nesse começo ele vai falar muito sobre o Palácio da Justiça, as praças e o comportamento da população. As pessoas chegaram muito cedo para assistir o tal mistério, mas na verdade estão claramente mais interessadas em ver as figuras importantes, brigar, conversar e ao mesmo tempo irritadíssimas que a história não começa. A confusão quase estoura, enquanto os artistas estão esperando o Cardeal e uma comitiva para começar, até que fica decidido que se comece, mas logo depois que começa temos a decepção do escritor da “peça” que vê a atenção de todos roubada por qualquer coisa.
No meio dessa confusão fica evidente a falta de consideração das figuras de poder da Igreja e da Justiça com o povo, em toda a história há diversas alegorias. Uma das melhores para mim é quando Quasimodo é julgado, após tentar raptar Esmeralda e é julgado por um juiz surdo. Um surdo julgando o outro, é sensacional essa parte!
E a vida desses personagens é enroscada até o fim, é uma história trágica e surpreendente. Quasimodo, Frollo e Esmeralda tem seus destinos entrelaçados até o final. Até onde esses dois homens são capazes de ir pelo coração da última? Sendo que ela ama outro! Em alguns momentos o autor escolhe parar o capítulo em pontos muito tensos o que deixa o leitor agoniado. E começa uma outra historinha, que parece a princípio não ter nada a ver, mas logo você percebe que é a pecinha no quebra cabeça que faltava na história dos personagens principais. A história é fenomenal, vale a pena se esforçar e ler cada nota de rodapé, mesmo que não seja uma leitura tão rápida, é um clássico e tem suas características.
Há também capítulos dedicados a Notre Dame e a cidade, que tentam nos explicar como esses organismos funcionavam. Esses capítulos são bem descritivos, e podem até ser considerados desnecessários, mas acho que vale ler para entender melhor aquele mundo. Merece o esforço, embora a leitura se arraste um pouco neles.
Eu gostei muito dessa edição da Zahar, mantém o texto integral, é comentada e ilustrada. Traz uma apresentação de Jorge Bastos que explica a vida do autor e como ele era envolvido com a política, seu começo como monarquista, o momento em que muda e tende ao socialismo e como ele era importante.
A ficção restaura a cidade e a catedral num momento _ os seis primeiros meses do ano de 1482 _ que nunca existiu propriamente, a não ser na trama de Hugo, para descrever o período social em que ” a grande obra da humanidade, não será mais construída, será impressa”. E Notre Dame, como edifício de transição de estilos, se apresenta “entre as velhas igrejas de Paris, uma espécie de quimera: tem a cabeça de uma, os membros de outra, o traseiro de uma terceira _ e algo de todas”. É uma monstruosidade, mas exprime uma nuance de arte que, sem isso, se perderia. -Jorge Bastos
Também explica que ele teve que entregar o romance as pressas, que acabou publicado primeiro como Notre Dame de Paris, 1482 e com três capítulos a menos. Depois o próprio Victor Hugo explica que não escreveu os capítulos depois, que só os introduziu porque haviam se perdido e que do contrário não faria.
Não tente acrescentar capítulos a um livro que não deu certo. Parece incompleto? Durante a gestação é que devia ter se completado. Não se endireitam árvores que cresceram tortas.(…) Assim sendo, é importante para o autor que o público saiba que os capítulos acrescentados não foram expressamente feitos para a presente edição.
Então, se você gosta de uma boa história, cheia de nuancias e personagens humanos e contraditórios. Leia! Vale a pena se dedicar nos momentos mais descritivos, pensando que Victor Hugo achava aqueles dados importantes, e chegar ao fim de boca aberta.