Sinopse: A vida de Joana é contada desde a infância até a idade adulta através de uma fusão temporal entre o presente e o passado. A infância junto ao pai, a mudança para a casa da tia, a ida para o internato, a descoberta da puberdade, o professor ensinando-lhe a viver, o casamento com Otávio. Todos estes fatos passam pela narrativa, mas o que fica em primeiro plano é a geografia interior de Joana. Ela parece estar sempre em busca de uma revelação. Inquieta, analisa instante por instante, entrega-se àquilo que não compreende, sem receio de romper com tudo o que aprendeu e inaugurar-se numa nova vida. Ela se faz muitas perguntas, mas nunca encontra a resposta.
Um livro bem inquietante marca esse início do projeto Conhecendo Clarice, como o autor da biografia da autora que começamos a discutir aqui no blog disse de cara que esse livro tem muito a ver com a própria Clarice na infância, resolvi que seria a primeira obra que leria para o projeto. Não é meu primeiro contato com um romance “clariciano”, já li A hora da estrela e achei incrível, mas esse romance é diferente de tudo que já li. Os fatos narrados na sinopse já contam os pontos importantes que acontecem com Joana, a personagem principal, mas o livro é muito mais do que contar sua história.
Joana é uma personagem que faz autorreflexão o tempo inteiro, todos esses acontecimentos são repensados e mastigados por ela ao longo do livro. Não é um livro com começo, meio e fim, a narrativa vai e vem pela sua vida e desestabiliza o que pensamos sobre ela e nós mesmos. Ela não cansa de surpreender e derrubar as próprias ideias e conceitos. E nos provoca a pensar também.
Gosto. Mas eu nunca sei o que fazer das pessoas ou coisas de que eu gosto., elas chegam a me pesar, desde pequena.
Joana se casa mesmo achando que o casamento é uma prisão, ama mesmo que isso pese no seu espírito livre, abre mão e quer solidão vivendo com outra pessoa. Busca entender o que quer e partir mesmo quando dói. Não está presa nem à bondade e nem às convenções sociais, mas nunca está completamente livre, porque isso seria possível?
Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de casar nada mais poderá me acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. _ Meu Deus! _ não estar consigo mesma nunca, nunca, E ser uma mulher casada, uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar a morte.
O casamento não é fácil para Joana e Otávio, a primeira fala quase outra língua, o outro tem uma amante que é o posto dela (vive a seus pés). Ao mesmo tempo que o marido se sente atraído pela pessoa diferente com quem se casou, não sabe como lidar. E Joana agradece por dentro os momentos que pode ficar sozinha em casa. A forma como lida com a amante surpreende e é um misto de cansaço e libertação.
É que tudo o que eu tenho não se pode dar. Nem tomar. Eu mesma posso morrer de sede diante de mim. A solidão está misturada à minha essência.
Semelhanças com Clarice
Como muitas das criaturas ficcionais de Clarice, personagem principal, Joana, guarda notável semelhança com sua criadora: as mesmas circunstâncias familiares, a mesma personalidade obstinada, a mesma resistência às convenções. (…) E a mesma proximidade do coração selvagem, a mesma existência animal. (Clarice, – Benjamin Moser)
Para muitos a autora era como um animal selvagem e exótico, pouco presa a moral e mais ligada aos extintos, e isso se reflete em Joana. Outra semelhança é na forma de escrever: a personagem escreve alguns versos ainda criança, para o pai, que fogem do padrão, como Clarice que pequena dizia não saber fazer histórias “Era uma vez” como as outras crianças e por isso elas não eram escolhidas para suplementos infantis.
Crítica social
(…) oh, por que você fala em coisas difíceis, por que empurra coisas enormes num momentos simples, me poupe, me poupe (…)
Joana não é compreendida pelas pessoas quando reflete e divaga, ninguém quer embarcar no seu raciocíneo. Para mim aqui há uma crítica a sociedade que quer continuar na mesma, não pensar e nem evoluir, seguir remando da forma mais fácil, par que dificultar a vida pensando demais?
O que impressiona na escrita desse livro que é ousada e diferente até hoje foi ele ter sido lançado por Clarice com 23 anos apenas. Foi só o primeiro dos romances escritos por ela. Esse projeto de leitura promete!
Tá aí nossa primeira parada na obra de Clarice, sexta conversaremos mais sobre a sua vida. A próxima discussão sobre a biografia Clarice, de Benjamin Moser, vai ser do capítulo 11 ao 23. Se você não conferiu o vídeo sobre os dez primeiros capítulos veja o post anterior do projeto Conhecendo Clarice (clique aqui) e saiba sobre sua infância e a difícil vida de sua família de refugiados.
Boa semana!
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